Mulher é suspeita de fraudar sistema de cotas para conseguir cargo em tribunal
Ativista usou as redes sociais para acusar Noemi da Silva de ser uma mulher branca contratada como candidata negra

Noemi da Silva Araújo, de 29 anos, foi selecionada para o cargo de analista judiciária do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT), como candidata negra. O caso teve repercussão após a divulgação nas redes sociais, devido a postagem de um escritor, que criticou o sistema de acesso por cotas usado por Noemi, a acusando de ser uma pessoa branca e burlar o sistema para conquistar a nomeação.
No procedimento de verificação de pertencimento étnico-racial por meio de autodeclaração, Noemi teve a declaração negada. A mulher, no entanto, foi aprovada depois de entrar com recurso administrativo.
A Fundação Getúlio Vargas (FGV) é responsável pela organização dos procedimentos e formava a banca examinadora do concurso.
Noemi foi escolhida em novembro de 2022 para a posição, com salário inicial de R$12.455,30. Anteriormente, ela já era técnica judiciária no tribunal.
Em uma postagem no Instagram, Adalberto declarou: “Pra você, pessoa preta, de verdade, que perdeu essa vaga pela fraude dela, pedras no caminho e brancos que não respeitam a nossa existência vão existir sempre. Mas cabe a nós a resistência, a insistência, a luta. Uma hora a palhaçada vai acabar e seremos nós a rir por último”.
“Assim como existe o colorismo para pessoas negras, do pardo ao preto retinto, existe para pessoas brancas. Tá, ela não é branquela, mas ela é branca. É o que eu falei no outro vídeo, nunca vão confundir ela com a babá, nunca vão mandar ela entrar no elevador de serviço”, explica o homem em outro vídeo.
Posicionamento do tribunal e fundação
Na tarde desta quarta-feira (4), o Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios publicou uma nota confirmando que “não há autodeclaração nem heteroidentificação por parte do tribunal”. O texto também diz que “tampouco recursos são julgados pelo TJDFT, sendo competência da própria banca contratada”.
“O Tribunal recebe a listagem, com a classificação obtida pelos candidatos, e promove a nomeação, seguindo, rigorosamente, a ordem classificatória. Não cabe ao Tribunal discordar dos critérios da FGV para promover a eliminação sumária de uma candidata, autodeclarada parda perante a banca contratada, conforme já decidiu o CNJ em caso análogo”, diz a nota.
O documento ainda aponta que a FGV já foi requisitada para fornecer mais detalhes sobre os critérios de julgamento do recurso da candidata.
A FGV disse que seu posicionamento já estava no comunicado do tribunal e que, por enquanto, não haverá outra declaração da fundação.
Defesa da acusada
Eduardo Borba, advogado de Noemi, conversou com o Metrópoles, e disse que a jovem está abalada com a repercussão do caso.
De acordo com o advogado, Noemi é uma mulher parda e teve que se submeter a processos de heteroidentificação para ser aprovada no certame. A banca de análise era composta por três pessoas, e dois dos examinadores negaram a autodeclaração da jovem. A defesa então pediu um novo julgamento, e a mulher foi aprovada.
Ao ser questionado se a candidata havia utilizado o sistema de cotas para obter o seu cargo anterior, o advogado revelou que ela não precisou usar tal sistema, uma vez que sua nota era alta o bastante para o processo seletivo geral.
O que diz a servidora? Veja íntegra da nota de Noemi da Silva Araújo:
"Foi com grande consternação que recebi a notícia de que minha imagem estava sendo exposta de maneira vexatória e irresponsável
A lei n • 12.990/2014 dispõe que cotas raciais em certames públicos serão concedidas à pessoas de classificação negra-pretas e negro-pardas./ na ultima, me incluo, com base na classificação do IBGE.
Passei por todo o processo de verificação de enquadramento na política de cotas de forma legal e idônea, dentro dos processos previstos em Lei e na Constituição Federal.
Eu fui xingada, atacada, tive minhas fotos e redes sociais expostas, sofri ameaças à minha integridade física e estou tendo que lidar com a exposição dos meus pais e do meu namorado. Tudo isso me abalou profundamente.
A política de cotas é fundamental no contexto socioeconômico atual, para fins de reparação histórica e para garantir que pessoas pardas e negras assumam o seu lugar de direito na sociedade. Todos devemos lutar por um mundo onde não haja nenhum tipo de preconceito.
Desde sempre eu me vejo como mulher parda, e me declaro como tal muito antes da Lei de Cotas.
A minha autodeclaração, firmada nas minhas origens de ancestralidade e características físicas, pode ser confirmada por registros (assentamentos) do Instituto de Identificação da Polícia Civil do DF."