Desvendando os bastidores do Oscar: por que "Cidade de Deus" ficou de fora da corrida em 2003?
Após 20 anos da polêmica, cineastas revelam os detalhes por trás da ausência do filme brasileiro na categoria de Melhor Filme Internacional

Há duas décadas, o Brasil vivenciava um momento histórico no cenário cinematográfico mundial com "Cidade de Deus". O filme, dirigido por Fernando Meirelles, conquistou o coração do público e críticos ao redor do globo, recebendo aclamação e reconhecimento internacional. No entanto, a ausência na lista de indicados ao Oscar de Melhor Filme Internacional em 2003 gerou controvérsia e especulações que perduram até os dias de hoje.
Diferentemente do que muitos imaginam, a responsabilidade pela não indicação do filme não recai sobre o Brasil, mas sim sobre os membros da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Em uma reviravolta, "Cidade de Deus" foi finalmente reconhecido no ano seguinte, recebendo quatro indicações nas categorias de direção, roteiro adaptado, montagem e fotografia.
Mas por que esse sucesso tardio? Persiste uma ideia equivocada de que a ausência do filme na categoria de Melhor Filme Internacional, na época chamada de Melhor Filme em Língua Estrangeira, em 2003, foi resultado de uma suposta negligência por parte do Brasil, que teria optado por outro representante.
Essa narrativa, porém, está longe da verdade. O filme foi, de fato, selecionado pelo país, mas a Academia de Hollywood não o incluiu entre os indicados.
Para desvendar os bastidores dessa reviravolta, o g1 conduziu entrevistas com Fernando Meirelles, Bráulio Mantovani e o cineasta Guilherme de Almeida Prado, membro da comissão responsável pela escolha do filme em 2003.
O que realmente aconteceu?
Para que um filme seja indicado ao Oscar, é necessário que seja selecionado por uma organização de seu país de origem. Naquela época, em 2002, a responsabilidade incumbia à Agência Nacional de Cinema (Ancine), não à atual Academia Brasileira de Cinema.
Contrariando o equívoco comum, a comissão formada por Almeida Prado, Walter Lima Júnior, Zita Carvalhosa e Maria do Rosario Caetano, de fato, escolheu "Cidade de Deus", dirigido por Meirelles. A decisão foi unânime.
O impasse surgiu com a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. Segundo Meirelles, o filme não foi bem recebido pelos membros americanos responsáveis pela seleção dos indicados da categoria.
A esnobada internacional gerou repercussão global e ainda hoje é lembrada como uma das maiores injustiças do Oscar. Meirelles acredita que o filme tinha grandes chances de vencer.
A reviravolta veio no ano seguinte, em 2004, quando "Cidade de Deus" recebeu indicações em quatro categorias: direção (Fernando Meirelles), roteiro adaptado (Bráulio Mantovani), montagem (Daniel Rezende) e fotografia (César Charlone).
Entretanto, a exclusão de 2003 não foi necessariamente prejudicial. Por ter sido indicado na categoria de filme internacional, o filme não poderia concorrer em outras categorias no ano seguinte.
Para Meirelles, a campanha liderada pela Miramax, distribuidora internacional do filme, foi crucial para essas indicações. No entanto, ele ressalta que a escolha dos representantes brasileiros para o Oscar deve ser revista, sugerindo que membros brasileiros da Academia de Hollywood assumam essa responsabilidade.
Por outro lado, Almeida Prado argumenta que o Brasil não produziu nenhum filme tão impactante quanto "Cidade de Deus" desde então, atribuindo isso a um sistema de seleção que tende a evitar riscos.
Em última análise, os bastidores da participação de "Cidade de Deus" no Oscar revelam não apenas os desafios enfrentados pelo cinema brasileiro na premiação, mas também as complexidades e intrigas que permeiam o mundo do entretenimento internacional.